Sobra Pensamento Negro para pouco Compromisso Africano

Nossos chamados intelectuais negros, por serem formados em instituições de ensino e pesquisa branca e ocidental, trazem diversos traços de embranquecimento. Na relação deles com seus conhecimentos e sua transmissão à nossa comunidade, esses traços são tão acentuados que, preto mesmo, fica só a massa cerebral onde o pensamento é desenvolvido. Pois, na hora de falar ou para quem diz, acaba revelando uma vontade quase irresistível de se fazer um “negro especial” aos olhos brancos.

Dessalín Òkòtó
8 min readNov 25, 2023
"O Espírito Intelectual Fragmentado Europeu" (Imagem gerada por IA)

1. O espírito científico ocidental.

O grande sebayit kemético InHotep só é chamado de "multigênio" pois a gente ainda parte do jeito branco de se relacionar com o conhecimento. Que jeito é esse? É um jeito seccionado, fragmentário e desconectado da própria realidade que picota as coisas do mundo toda.

Essa picotagen toda vai ser chamada de "disciplinas", de "ciências" ou mesmo "epistemologias". Mas a gente poderia chamar tudo isso de sabedoria, puro e simplesmente, que já daria conta de todas essas experiências intelectuais.

Mas, Dessalín, não existem diferenças quanto ao objeto, ao método ou finalidade das várias formas de conhecimento?

É claro que existem diferenças! Mas o meu ponto não são essas diferenças de meio. Estou falando das chamadas diferenças mais básicas. Aquelas que tentam tornar as coisas tão idênticas a elas mesmas que não poderiam ser comparadas às outras.

Desde Platão, o conhecimento se dá pelo paradigma do objeto (ideia) e do sujeito que o estudo (alma). Em Decartes isso ganha as consequências últimas mais dramáticas ao se debruçar sobre por qual meio sujeito e objeto de conhecimento, ora dissociado, pode ser relacionado. Na fenomenologia do século XX meio que perceberam que remontar essas peças não faria mais as coisas funcionarem, assim como crianças que desmontam brinquedo eletrônico e não conseguem fazê-lo ligar depois de remontado.

É esse o jeito branco de lidar com o conhecimento que eu estou chamando a atenção. Ele vai querer olhar para a economia dissociada da política, a política da história, a história da geografia, a geografia da física, a física da química, a química da biologia, a biologia da sociologia, a sociologia da psicologia, a psicologia da antropologia, a antropologia da economia e assim adiante... quando tudonse resume ao conjuntonde sabedoria de mundo que um povo foi capaz de produzir.

"A dissociação do saber" (Imagem gerada por IA)

E por que ele faz isso? Business!

Pois tudo o que é idêntico apenas a si mesmo, sem ser parecido ou comparável a mais nada, é exclusivo. Se é exclusivo, é mais valioso. Se é mais valioso, custa mais caro. Se custa mais caro, tem mais poder de barganha e escolha com quem e para quê vai servir.

E onde eu quero chegar com esse trem todo de como o branco se relaciona com seu conhecimento? No mesmo lugar de sempre: compreender nossos próprios traços de embranquecimento. Nesse caso, pela nossa atividade intelectual.

2. O último biscoito do pacote.

Você concorda que, entre outras coisas, o afã negro de realizar seus estudos e desencolver seu conhecimento em meio às instituições brancas, além do fetiche do diploma, tem muito de fazer do seu "notável saber" algo especial e precioso em meio à nossa comunidade?

"Conhecimebto negro, lucro de branco" (Imagem gerada por IA)

Por outro lado, você concorda também que que a gente vai julgar alguém ou alguma coisa valiosa pela abundância de bem e multidão de pessoas da nossa comunidade que são beneficiadas? E não pela escassez do recurso e nem pelas poucas pessoas que terão acesso a ele? Um rio é valioso pelo tanto de populações que ele banha, e não pela meia dúzia que o teria como propriedade.

Então porque a gente ainda cai na conversa fiada de que essa galera preta que procura os lugares mais exclusivos e excludentes - como a academia e a grande mídia - para desenvolverem pesquisas e estudos sobre a África e os Negros estão à serviço da nossa comunidade?

O acadêmico negro não fala com a comunidade negra, a não ser por migalhas. Ou ele fala de um jeito incompreensível à maioria, ou ele faz belos jogos de palavras que servem mais ao embelezamento da sua imagem perante a plateia do que elevarem a consciência da audiência preta. No melhor dos casos, soltam frases de efeitos que viram slogam de marca ou citação em dissertação de um branco africologista.

"As palavras de esmola do intelectual negro" (Imagem gerada por IA)

E isso tudo, esse apartamento, essa separação, essa segmentação, essa suposta especialização vem mais para torná-lo joia rara e exclusiva para ser altamente cotada no mercado acadêmico-intelectual do que trazer um conhecimento precioso e profundo para o máximo de pessoas da nossa comunidade.

Peguem qualquer acadêmico ou intelectual negro. São muitos por aí, (in)felizmente! Quantos deles vocês conseguiriam ler um livro inteiro, ler um texto completo ou assistir uma palestra e, depois de saírem dela, reproduzirem os raciocínios desenvolvidos e conhecimentos transmitidos?

Geralmente, a gente sai com uma frase ou outra, um conceito mais ou menos vago, uma sensação difusa. Mas raramente consegue relatar a narrativa intelectual, a historinha de pensamento que foi contada. Sim, pois o pensamento também tem seu percurso, e esse percurso é uma história do conhecimento!

Mais além! Se eu te perguntar, do que aprendeu, consegue aplicar no cotidiano da sua vida? O pensamento desenvolvido em um livro, o teorema de uma fórmula matemática, um conceito de economia, você conseguiria relacionar com a sua vida e empregá-los com sabedoria no dia a dia da sua comunidade?

Essa condição de entendimento-aplicação é responsabilidade compartilhada entre os estudiosos e a comunidade. Isso é verdade. Mas se os tais estudiosos, pesquisadores, intelectuais, cientistas, pensadores e educadores não ajudam na emissão da mensagem, como vão cobrar na recepção?

3. O Lugar Racial do Pensamento Negro

A gente tem que ter clareza sobre alguns pontos sempre que vamos discutir sobre intelectualidade entre nós. Os africanos são os mais antigos sábios, cientistas, intelectuais, pensadores e educadores desse mundo. Após 280mil anos se desenvolvendo no continente Africano que fomos explorar outras paisagens até alcançar a Patagônia.

Não bastasse, ainda fomos os que transformamos o hominídeo em ser humano. Ou seja, nossa raça foi responsável por desenvolver cultura e civilização em uma espécie que era só mais um mamífero como outro qualquer.

E nada disso é pouca coisa!

Pois significa que os africanos, nós negros, sempre realizamos nossa vida intelectual, assim como sempre desenvolvemos artes, esportes, cultos e atividades econômicas. As formas mais exuberantes disso, naturalmente, são as desenvolvidas no Vale do Nilo por mais de dez mil anos, nas imagens de Kemet e Kush.

"Saber Negro, Ensinamento africano" (Imagem gerada por IA)

E, dessas mesmas experiências exuberantes, quais as lições que tiramos? Duas!

Uma primeira, que se esperássemos o branco nos educar ou resguardar nosso conhecimento, ainda estaríamos nas cavernas, já que os europeus ainda eram tribos nômades quando as pirâmides, templos e palácios de Kemet e Kush já estavam de pé.

Se transportarmos isso para hoje em dia, a coisa fica mais dramática. Pois, se dependêssemos dos brancos para zelarem pelo nosso conhecimento e cultura, nessa experiência colonial, não haveria nada africano e negro para se apegar. Pois tudo o que era negro foi perseguido e atacado.

Segundo, que nossa intelectualidade, como qualquer outra capacidade, deve estar à serviço da comunidade e por ela se pautar! Qualquer negro ou negra que faça valer seu conhecimento para educar o branco ao invés de elevar a consciência e desenvolver a nossa comunidade deveria ser rechaçado assim como, hoje em dia, já rechaçamos intelectuais brancos que querem ensinar para a gente sobre a África e nosso povo negro.

Concorda?

Então, se você ainda se lembra de toda a crítica que fiz ao jeito branco de se relacionar com o conhecimento — uma forma fragmentária —você vai entender sem grande dificuldade que todo intelectual negro tem por obrigação botar seu entendimento nas mãos da comunidade para ser direcionado onde nosso povo está demandando maior compreensão.

E isso implica em estudar, pesquisar e aprender o máximo do nosso saber, conhecimento e ciência adquirido ao longo dos milênios. E implica, igualmente, em buscar os meios mais eficazes e amplos de formular, disseminar e popularizar todo esse saber africano entre a nossa comunidade. Por fim, além de informado, transmitido e popularizado, todo esse conhecimento, assim como a água que foi canalizada de um rio para a torneira das nossas casas, deve ser aplicável em algo da vida das pessoas. Se não for, vira água parada e criadouro de mosquito!

Ideias precisam se converter em práticas. E voltamos ao filósofo kemético Inhotep! Ele usou todo o conhecimento das estrelas para elaborar noções que organizaram o tempo em Kemet, noções de espacialidade que edificaram pirâmides em Saqqara e estudos de anatomia que o curaram doenças em sua medicina da força vital. Assim, se fez sebayit — o sábio — não pelo conhecimento que acumulou, mas do quanto serviu-se dele para melhorar e desenvolver sua comunidade!

"Pensamento em Aplicação" (Imagem gerada por IA)

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Dessalín Òkòtó

Querendo ser educador para melhorar minha comunidade, sentei para aprender e agora levanto para também ensinar.